segunda-feira, 8 de março de 2010

FIC...Kiss Yesterday Goodbye Penultimo cap


Capítulo X


Prih ficou constrangida. Aquela era a última carona do mundo que desejava pegar.
— Eu sei que é perigoso, Nick, mas preferi correr o risco a ficar a noite inteira naquela escuridão, congelando dentro daquele carro.
Ele a olhou de relance, mas, antes que tivesse tempo de dizer qualquer coisa, ela se defendeu:
— E não me venha falar de técnicas de sobrevivência. Eu as conheço muito bem. Precisei inclusive praticá-las para não cair no desespero.
Nick não respondeu e pôs o jipe em movimento de maneira brus­ca. Finnegan levantou-se do banco de trás e começou a lamber o rosto de Prih.
— Espero que você não tenha saído do aconchego da cabana, para dar uma volta por essa paisagem desoladora e gelada, simples­mente pelo chamado da minha boa estrela. Você poderia pegar um resfriado forte. . .
— Acertou. Foi mais ou menos isso. . .
Prih percebeu que Nick não estava muito interessado em seus comentários. Então se calou. Ele dirigia o jipe com habilidade pela estradinha sinuosa. Pouco depois, parou em frente de uma casa marrom. Prih impressionou-se: aquela casa parecia nascida ali, junto às árvores e aos animais, e não que mãos e braços humanos a houvessem construído.
— Você está pensando em como se livrar de mim? — perguntou Prih. — Não se preocupe. Posso chamar Margaret!
— Aqui não tem telefone, Moreninha — respondeu ele, calmo, enquanto descia do jipe e abria a porta.
— Mas ela vai ficar preocupada!
— Você devia ter pensado nisso antes de fazer essa bobagem... — Nick trancou a porta e parou com os braços cruzados. — Você estava vindo justamente para cá, não?
Prih ignorou a pergunta.
— Há algum lugar por aqui de onde eu possa telefonar?
— Sim. Três vizinhos têm telefone. Eles moram a mais ou menos uns cinco quilômetros.
Os olhos de Prih brilharam, animados.
— Só que nem sempre estão em casa. Mas, se você quiser tentar, vai ter que ir até um deles a pé. Estou muito cansado. Já dirigi da cidade até aqui sobre o gelo, agora não saio mais, enquanto o gelo não derreter.
Prih ponderou a proposta e avaliou a situação enquanto ele acendia a lareira da sala. Estava mesmo em desvantagem.
— Você diz isso porque decerto se sente em casa!
— Me sinto, não, Moreninha, estou em casa. Só porque isto aqui é chamado de cabana, não quer dizer que não seja uma casa.
Vencida, ela sentou no braço de uma poltrona e ficou olhando a construção.
"Ah. então esta é a cabana de Nick!", pensou. A sala era ampla e espaçosa com os móveis dispostos informal­mente à volta da lareira. Tudo parecia escolhido mais pelo conforto que pelo estilo. Havia uma estante com muitos livros e um grande painel indiano cobria uma das paredes.
"'Hum! Então isto é a casa de um homem! Nada de supérfluo. Tudo com um toque muito masculino, mas de bom gosto." As jane­las, quando entreabertas, certamente mostrariam uma paisagem ma­ravilhosa, que naquele momento, infelizmente, estava toda coberta pelo gelo.
Do outro lado da sala ficava a pequena cozinha, que parecia muito prática, e Prih imaginou Nick cozinhando ali. O banheiro e o quarto deviam ficar no final do pequeno corredor, cuja parede era coberta por outro enorme painel indiano, em cores ainda mais vibrantes que o da sala.
Nick terminou de colocar gravetos no fogo e voltou-se para ela. Com um meio sorriso, ficou observando-a. Quando ela finalmente pareceu terminar a inspeção, ele perguntou:
— E então?
— Não é bem o que eu esperava encontrar. Imaginava um punha­do de peles de animais e um chifre de veado acima da lareira. Mas isso é muito mais bonito...
— Não mato por esporte, Moreninha. Portanto, não coleciono troféus.
— Não entendo como alguém pode matar. É um gesto tão de­sumano...
— Depende da situação, Moreninha. Depois de ver um bosque de árvores recém-plantadas ser destruído por veados, ou então uma horta de verduras que o agricultor perdeu totalmente, você vai mudar de idéia. Árvores, verduras e cereais também são impor­tantes.
— Mas você consegue olhar para os olhos de um animal depois de ter matado um companheiro dele?
— Não sou exatamente um matador de animais, Moreninha. Apenas procuro impedir que a população animal cresça tanto que se trans­forme em perigo. — E mudou de assunto. — Você está com fome?
— Faminta. Não tive tempo nem para almoçar.
 — Então, a cozinha está ali. — Nick apontou.
— Chauvinista — resmungou Prih.
Mas era melhor não perder tempo com discussão. Queria comer alguma coisa, urgente.
A cozinha era, realmente, uma beleza. Muito bem equipada e com tudo à mão. Afinal, tinha que ser, pois Nick era um exemplo de organização!
Num armário bastante sortido, encontrou tudo o que precisava para uma omelete: ovos, queijo, cheiro-verde.
— Você quer uma omelete? — perguntou a Nick.
— É claro que sim! — respondeu ele, bem atrás dela. — Por que você acha que eu a recolhi naquela estrada ao invés de deixá-la congelando ali?
Prih fez uma careta para ele e começou a quebrar os ovos.
— Aliás, o que você estava fazendo na estrada? — perguntou ela. — Se não tem telefone, como soube que eu estava por aqui? Além disso, você não se mostrou nada surpreso ao me encontrar.
— Eu não estava aqui. Quando saí da firma, tentei pegar a estra­da, mas ela estava muito ruim. Então resolvi voltar para casa.
Prih parou de bater os ovos e olhou-o, surpresa. Só então enten­deu o que se passara.
— Quer dizer que dirigi todos esses quilômetros até aqui e você estava em casa?
— Isso mesmo. Você só apronta confusão, hein, Prih! Já lhe disse mil vezes que esse seu hábito de agir antes de pensar não dá certo, mas você não se emenda. . .
— E por que você veio para cá, agora?
— Mamãe estava preocupada porque você não voltou para casa. Telefonei para a companhia e Steve contou que você saiu de lá furiosa porque eu estava aqui, ao invés de estar trabalhando. Então foi fácil deduzir para onde tinha ido. . .
— E você saiu com esse tempo louco só para me encontrar. . .
Um sentimento estranho a invadiu ao saber da preocupação dele. Mas o afastou, com dificuldade.
— Nada disso. Foi só porque mamãe estava quase histérica — afirmou ele, fazendo com que ela readquirisse o autocontrole.
Enquanto falavam, Nick a ajudava a preparar o jantar, terminan­do de bater os ovos e despejando-os para fritar.
— Pronto. Agora você cuida do resto, certo? Sabe fritar?
Prih não respondeu. Havia notado que ele a tratava como a uma irmã mais nova. E não gostava disso. Mas resolveu pôr os pensamen­tos de lado e terminar logo com o preparo daquela comida.
No meio da refeição, as luzes se apagaram. Prih ficou um tanto aflita, mas Nick acendeu um lampião que tirou do armário da cozinha.
— Imaginei que isso poderia acontecer — disse ele. — O gelo deve ter partido algum fio. . .
— Isso costuma acontecer sempre?
— Uma vez ou outra. Antes, levavam dias para que religassem os fios, mas agora só precisam de algumas horas. Está sendo usado um novo sistema.
— Algumas horas?
— Sim. Algumas horas. Por quê? Você não gosta de luz de lam­pião? Ela faz você ficar ainda mais bonita. — A voz dele estava ficando meio rouca.
Assustada e sabendo que aquela luz difusa e romântica poderia ser perigosa, Prih levantou-se.
— Quer tomar um café? Vou fazer. . .
— Onde? Na cafeteira elétrica?
— Oh!
— É fácil esquecer que precisamos da energia elétrica, não? Eletricidade é um hábito. Mas podemos ferver a água no fogo e preparar um café instantâneo. O que acha?
— Tudo bem. Enquanto isso vou lavar essa louça.
— Deixe disso. Nessa penumbra não vai conseguir lavar direito! Venha, sente-se aqui que eu preparo o café.
Prih sabia que não devia sentar-se perto do fogo. O calor e as chamas a fascinavam. Mas sentou-se.
Finnegan estava deitado perto dela e encostou a cabeça nos seus pés. Parecia muito cansado, como se tivesse vindo correndo sobre o gelo, da cidade até ali. Nick preparou duas xícaras de um café fumegante e veio para perto dela.
— Sabe Moreninha, acho que falta alguma coisa nesta cabana! — Colocou o braço por trás dela e tomou-lhe a mão direita. — E o anel de noivado? Tenho notado que você não está mais usando.
Prih ficou tensa. Sabia que, se ele fizesse qualquer brincadeira, começaria a chorar. E ela não queria chorar perto dele.
Nick resolveu massagear os músculos tensos do seu pescoço.
— Fico contente por você ter rompido com Brian! — disse gentil.
— Como sabe que fui eu quem terminou?
— Porque conheço você muito bem, Prih. Terminou tudo antes que ele terminasse com você.
Ela não respondeu. Também nem seria preciso. Ele estava absorto nas chamas e assim ficou por alguns momentos. Por fim, quebrou o silêncio e sorriu.
— É gostoso aqui, não? Ainda mais estando só nós dois!
— Não se esqueça de Finnegan!
— E Finnegan, é claro! Mas só nós, sem telefone e ninguém para atrapalhar. . .
Ela o olhou nos olhos e, instantaneamente, as peças do quebra-cabeça se encaixaram cada uma no seu lugar.
"É claro", pensou, tomando consciência do sentimento que a envolvia. "Eu não quero ser a irmãzinha de Nick. Nem nunca quis ser. Mas não é por isso que o odeio. É porque sempre quis ser sua mulher."
Nick viu a mudança na expressão dela e abaixou-se para beijá-la.
Prih perdeu a noção do tempo e do espaço. Era como se estivesse num sonho. Ele a beijava, carinhosamente, na boca, no rosto, nas mãos. E era exatamente isso o que ela queria dele. Ansiava por estar nos braços de Nick, ser beijada e beijar. E deixar que seus corpos sentissem todo o prazer que ela sabia que encontrariam um no outro.
Ele tinha desabotoado sua blusa, devagar, e suas mãos quentes acariciavam-lhe a pele sensível. Lentamente tirou seu sutiã, e os beijos sensuais foram descendo pelo pescoço e os seios. Profundos arrepios de prazer eriçavam-lhe os pêlos sedosos e Prih queria abandonar-se cada vez mais àquele redemoinho de sensações. O de­sejo fazia os olhos de Nick brilharem.
"Ele também me ama", Prih pensou. Ela se sentia nas nuvens, profundamente feliz.
De repente, com voz doce e desesperada, ele falou:
— Por favor, querida, deixe-me fazer amor com você. Agora. — E, com os lábios ainda colados aos dela, suplicou: — Eu te quero Prih!
Não. Ele não dissera "eu te amo", nem mesmo "eu preciso de você". Apenas "eu te quero". E iria fazer amor com ela ali. Onde, provavelmente, estivera com Suzanne e outras garotas também!
Bem, o que esperar de um homem sozinho numa cabana isolada como aquela? Certamente faria amor com qualquer mulher que estivesse ali. Ela seria usada apenas como um objeto sexual.
E, depois, o que aconteceria? Como ela ficaria? E por que Nick queria fazer amor com ela se ia se casar com Suzanne? Seria porque ela era a única coisa dos Stanford que ele ainda não havia conseguido? Repentinamente, Prih o afastou e abotoou a blusa.
— Você faz amor com Suzanne dessa maneira?
— Por que quer saber? Está com ciúme? — perguntou ele, após alguns momentos de silêncio.
— Não, estou apenas enojada.
E levantou-se, indo para a cozinha. Ele a seguiu, sem entender aquela reação, e ela mudou de assunto:
— O que você está pretendendo fazer com a casa de meu pai?
Ele se encostou à geladeira e cruzou os braços.
— Ah, então é isso que a está incomodando?
— Sim, você conseguiu tirar tudo dos Stanford. Até a casa.
— Eu ofereci a seu pai exatamente o que ele estava pedindo a outros compradores, Prih.
— Você devia envergonhar-se disso...
— Não sei onde pode entrar vergonha nisso. Eu gostava da casa. Richard queria vendê-la. E você, se me lembro bem, pretendia ir embora quando se casasse e não iria voltar mais a Twin Rivers.
— Mas você não tem nada que o ligue a casa...
— Tenho sim. Eu a quero. E você não a quer, mas também não admite que outra pessoa more nela. Sua vontade é que ela fique fechada como um museu, só para lhe lembrar a infância feliz.
— Eu não queria que você a tivesse, Nick, apenas isso.
— Bem, deixe-me lhe dizer algo sobre infâncias felizes, Prih. A sua não foi das melhores. Seu pai adorava sua mãe e ela o tratou como a um marginal...
— Deixe Rosemary fora disso. . . — irritou-se Prih.
— E minha infância também não foi das mais felizes. Mas você teve mais sorte. Seu pai conseguiu lhe dar o que você tinha perdido: o amor de uma mãe. E eu? Só soube o que era felicidade quando seu pai conheceu minha mãe, apaixonou-se por ela e se interessou por mim.
— E você lhe agradece pagando com trinta moedas de ouro. Como Judas! — atacou Prih. Nem mesmo ela conseguia acreditar nas palavras que acabara de pronunciar.
— Você acha mesmo que eu tentei pagá-lo? Não. Ele não iria aceitar. Procurei retribuir do único modo que sabia que Richard aceitaria: prometendo que continuaria a dirigir a fábrica.
— Muito conveniente para você. Não. Nick? A fortuna dos Stanford agora é dos Carters. O nome da fábrica já foi mudado e logo ninguém mais vai se lembrar de quem a construiu. — Prih conti­nuava no ataque. — O poder está todo em suas mãos, Nick. E você o conseguiu bem no meu nariz. Você me tirou tudo só para provar que é mais esperto, não?
Ele baixou a cabeça e ficou em silêncio. Pela expressão do rosto, parecia ter sido atingido por aquelas acusações.
— Gostaria de dormir um pouco. Tem algum lugar onde eu possa me encostar, ao menos? — perguntou Prih.
— Onde Sua Majestade Real quiser.
— Então vou ficar na poltrona. Com licença. — Caminhou em direção à sala.
Nick a impediu e, solícito, ofereceu a cama. Prih aceitou, porém ao deitar-se se lembrou de que Suzanne também teria dormido ali. Sentiu-se revoltada, mas se controlou. Pelo menos, agora, ficaria sozinha!
Naquela noite, Prih sonhou com Nick. E, no sonho, ela viu Nick entrando no quarto, cobrindo-a e enxugando as lágrimas de seu rosto. Então, gentil, virou-a e esperou que os soluços cessassem. E ela relaxou num sono profundo.
Mas teria sido mesmo um sonho? Ela lembrava vagamente disso quando acordou de madrugada. Porém não conseguiu pensar direito. Logo o cansaço a venceu e ela adormeceu outra vez.
Já clareava quando alguma coisa pousou em seu nariz. Ela balan­çou a cabeça para espantar o que imaginava ser um inseto. Mas ele voltava a insistir ora em seu rosto, ora em seu pescoço. Finalmente resolveu abrir os olhos.
Nick estava sentado à beira da cama, com uma pena na mão. Sorrindo, brincava com ela no rosto de Prih.
— Vamos, levante-se, dorminhoca!
Prih puxou o capuz sobre a cabeça e olhou pela janela. O sol estava brilhando forte e seu reflexo no gelo e na neve machucava os olhos.
— Estou indo dar uma volta pelo parque. A eletricidade já voltou, e, se você quiser preparar o desjejum, esteja à vontade. . .
Ela já estava saindo da cama quando notou que não havia vestido aquele pijama de flanela que usava agora. Era de Nick. Então ele a vestira enquanto dormia!
— Quando vamos voltar à cidade? — perguntou, contrariada.
— Agora, não. As estradas ainda não estão limpas; à tarde, acho que poderemos ir.
— Por que me acordou então?
— Fiquei com receio de que acordasse enquanto eu estivesse fora e entrasse em pânico.
— Acho que sobreviveria ao susto. . .
Ele deitou-se na cama ao lado dela e apoiou a cabeça na mão.
Por que você estava chorando durante a noite, Prih?
— Chorando?
— Não negue. Você é uma péssima mentirosa. Sabe disso muito bem.
— Eu estava cansada, triste e irritada.
— Só isso?
— Já lhe dei três boas razões, Nick. Que mais quer? Um livro sobre os motivos do choro?
Ele se levantou e passou as mãos pelos cabelos.
— Você costumava me contar os seus problemas para que eu a ajudasse a resolvê-los. . . — disse pensativo.
"Isso antes de você ser o meu problema", Prih pensou, mas falou. Evasiva:
— Bem, isto quando eu era criança. . .
— Não exatamente! Você costumava chorar até soluçar. Então, punha a cabeça no meu ombro, sentava no meu colo e conversáva­mos até o dia clarear.
Era verdade. Nick sempre conseguia consolá-la. Mas, naquele tempo, não era por causa dele que ela chorava.
— Falando em dia claro — disse ela. Firme — o sol já está aí e, já que me acordou, gostaria de me vestir. Por que você não vai dar sua voltinha e me deixa trocar de roupa?
— Porque eu a prefiro sem roupa. — Mas levantou-se e saiu rápido.
Prih esperou até que não mais o enxergasse e só então saiu da cama. Trocou-se, serviu-se de café e ficou olhando através das janelas. A paisagem era realmente linda. O sol refletia-se no gelo acumulado nas árvores e na relva. Os pinheiros em volta da cabana envergavam-se com o seu peso. Alguns pequenos animais começavam a correr de uma moita para outra. Era tudo muito bonito, Prih constatou maravilhada.
De repente, saindo de uma vegetação mais cerrada do parque, um veadinho parou bem em frente da janela onde ela estava. Suas perninhas compridas pareciam não suportar o peso do corpo, e ela prendeu a respiração, supondo que ele iria cair. Mas ele passou pelo gelo e calmamente começou a comer brotos tenros de um arbusto.
"É como nos desenhos de Walt Disney", pensou Prih. Como Nick podia ter matado algum daqueles bichinhos?
Olhando mais para o lado, viu Nick encostado numa árvore pró­xima do animalzinho. Parecia que ele também o apreciava. A expres­são de seu rosto mostrava admiração.
"Não é isso", pensou Prih, "ele é insensível demais!" Mas, então, por que o bichinho parecia aceitá-lo tão bem? Já estaria habituado a Nick? Talvez. Ele sempre soube fazer com que as pessoas e os bichos se habituassem a ele. Até ela.
Ao pensar assim, Prih sentiu uma onda suave de calor no peito. Agora não podia mais negar para si mesma que o amava, mesmo quando estavam brigados. Naquele dia inesquecível de cinco anos atrás, tinha decidido que jamais iria sentir por ele qualquer coisa que não fosse desprezo. Afinal, ela era uma Stanford e ele nunca estaria à sua altura. E foi isso que ela, orgulhosamente, lhe dissera naquela ocasião.
Sabia que, a partir daquele momento, ele tentara, de todas as ma­neiras possíveis, provar o contrário. E por fim conseguira. Ele tinha tudo o que fora dos Stanford nas mãos, e podia mostrar-lhe que, agora, eram iguais, ou que era ela a inferior. Prih podia entender bem a atitude de Nick, pois era tão orgulhosa quanto ele.
E Richard? Desde que chegara Prih não se cansara de dizer que ele estava sendo enganado. Todos afirmavam o contrário. Agora, ela sabia que realmente tinha errado. Só via defeitos nele como forma de não admitir o seu amor!
— Ei, Prih! O pão é para comer e o café para beber! — Nick chegou e sentou-se à mesa.
— Oh, eu estava admirando a paisagem. . .
— É linda, não? Antes de construir a cabana, eu costumava tra­zer um saco de dormir e passava as noites observando o céu, ouvin­do os barulhos e respirando esse cheiro de mato. Era tão bom!
— Vi também seu amiguinho. O veadinho.
— Ah, sim. Acho que, quando ainda era bem pequeninho, alguém matou a mãe dele. Desde essa época, acostumei-me a alimentá-lo e, de vez em quando, ele vem me fazer uma visita. — Nick sorriu.
Prih serviu-se de uma fatia de pão.
— E o gelo? Você viu se já está derretendo?
— Sim. Acho que logo as estradas estarão livres e então podere­mos ir.
— Ainda bem. Não gostaria de perder a festa de Alison esta noite. Pretendo começar o Ano-novo com o pé direito. Você também vai?
— Claro! As festas de Alison são ótimas.
— E vai levar Suzanne? — perguntou Prih, tentando dar um tom de naturalidade à voz.
— É claro! — respondeu ele, surpreso.
Prih não gostou nem um pouco da surpresa dele. Mas odiou-se por ter feito aquela pergunta.
— Estas torradas são da companhia, não? — mudou de assunto.
— Sim, e ficam deliciosas com aquela geléia que tenho na geladeira. Se quiser, experimente!
Prih serviu-se da geléia, mas, ao morder a torrada, não conseguiu cortá-la com os dentes.
— Desde quando esta torrada está aqui?
Nick pegou uma e tentou cortá-la ao meio. Também não con­seguiu.
— Viu? Isto mostra que precisamos de uma nova linha de pro­dutos. Você sabe que existe um sistema de datação de embalagens? — ela aproveitou a oportunidade para sugerir.
Antes que ela continuasse, Nick começou a falar sobre a cabana. Ele não queria falar de trabalho.
— E o que Suzanne pensa de você passar tanto tempo aqui? — perguntou Prih.
— Suzanne não tem nada a ver com isso.
— Mas certamente terá! E o que ela vai pensar por eu ter passado a noite aqui? — falou de maneira calma, mas sem encará-lo.
— Depende de como contarem a ela.
— Estou falando sério, Nick. Isto pode lhe trazer problemas. Há essa hora, muita gente já sabe que estamos aqui, e em Twin Rivers ninguém costuma guardar segredo.
Ele a olhou, espantado.
— Não acredito que esteja mesmo preocupada, Moreninha. Será que você não armou tudo só para me comprometer?
— E você acha que eu conseguiria?
— Quem sabe? Suponhamos que você volte para a cidade e diga a todos, inclusive a Steve, que está apaixonado por você, que eu a seduzi. . .
— Ah, Nick, isso não é uma brincadeira! — Prih riu e inter­romperam a conversa até o final do café.
Depois de terem lavado e guardado a louça, Nick convidou Prih para jogarem. Seria um joguinho de cartas para matar o tempo até a hora de voltarem para a cidade.
Já estavam quase ao final da primeira partida quando ele falou pensativo:
— Prih, acho que acabei de resolver um problema para nós dois.
— Como? Chamando um helicóptero para nos apanhar?
— Não, não é esse o problema. Você quer administrar a compa­nhia, certo?
Ela o olhou sem entender. . .
— Sim. Mas. . .
— E eu quero me livrar dela. Pelo menos assim poderia terminar meu curso e me dedicar em tempo integral à química.
— Veja, ganhei mais cinqüenta pontos.
Nick a ignorou.
— Mas seu pai não quer que você se desgaste com a administra­ção da empresa. Se eu sair, provavelmente ele promoverá Steve.
— Você não está jogando, Nick! — ela o repreendeu.
— Não. Estou tentando saber como a mente de Richard funciona. Veja, se ele confiou em mim para me deixar com toda a responsa­bilidade da empresa, certamente confiaria nos assistentes que eu escolhesse, não?
— Sim. Mas jogue Nick!
— Não posso me afastar agora porque assumi muitos compro­missos financeiros, mas poderia ter um assistente de minha inteira confiança, que pertencesse à família, e que pudesse conduzir os ne­gócios.
— Não insulte minha inteligência, Nick. Você jamais me colo­caria como sua assistente, porque sabe que eu faria tudo para afas­tá-lo da empresa.
— É justamente a esse ponto que eu queria chegar, Moreninha. Pense comigo. Não tem sido fácil para Richard ver-nos brigando o tempo todo, como crianças. E, desde que chegou aqui, você tem feito tudo para me atirar à fogueira. Mas se um dia, por acaso, conse­guisse, eu iria infernizar tanto sua vida que você se arrependeria de ter nascido.
— Você não tem como fazer isso, Nick!
— Tenho, sim. Só para dar um exemplo, poderia começar a lhe fazer perguntas a que você não gostaria de responder. Depois. . .
— Está bem, Nick. E o que você propõe como solução?
— Nos casarmos.
As cartas caíram das mãos de Prih e se espalharam pelo chão. Nervosa, ela se abaixou e as apanhou enquanto tentava recuperar o fôlego.
— Não seja ridículo, Nick!
— Por que ridículo? É uma solução lógica para um problema que nós dois não sabemos como resolver — respondeu ele, pegando-lhe as mãos. — Você só se assusta porque não estudou as vantagens da solução como eu.
— Que vantagens? Casamento?
Nick irritou-se.
— Você não precisa falar como se casamento fosse uma palavra obscena!
— Nestas circunstâncias, eu penso que é mesmo!
— Por quê? Casamentos de negócios ocorrem nas melhores fa­mílias. Ou. Se preferir, chame de casamento por interesse.
— Por interesse de quem?
— Dos dois. Você fica com a companhia, eu consigo minha liber­dade para continuar meus estudos e nós dois ficamos com a casa. Além disso, Richard e Margaret ficarão satisfeitos!
— Ah, sim. E quando publicarem nosso noivado dirão: o Sr. Richard Stanford tem o prazer de anunciar o noivado de sua filha Priscila com Nick Carter, filho do Sr. Richard Stanford. Ridí­culo, Nick!
— Certo. Vamos deixar de falar disso! — Nick propôs e con­tinuou a jogar calmamente.
Ela também tentou se concentrar no jogo, mas a proposta dele não lhe saía da cabeça. Imagine um casamento de negócios! Até parecia coisa de Rosemary! Mas ela, Priscila, não aceitaria jamais. Afinal, sempre sonhou com um casamento por amor!
"Mas você está amando." O pensamento lhe soou tão claro, que por um momento Prih pensou ter pronunciado as palavras alto.
Nick continuava absorto nas cartas. Ela o olhou fixamente, apro­veitando que ele estava distraído. Sabia de todas as razões por que ele lhe fazia aquela proposta. Eram todas egoístas. Para ela, um só motivo seria suficiente: amor. Mas Nick jamais a amaria. Além disso, havia Suzanne.
— E você não pretendia casar-se com Suzanne? — perguntou, de súbito.
— Casar com Suzanne? De onde você tirou essa idéia?
— Dela mesma. . .
— Seja razoável, Moreninha. Suzanne não poderia me sustentar até que eu terminasse o curso.
— Quer dizer que tudo é por dinheiro mesmo, não, Nick? — disse Prih, friamente.
— E não é sempre por dinheiro, querida? — respondeu ele, en­quanto olhava as cartas que tinha nas mãos. — Pense bem, Prih. Depois, fale comigo.
E continuou calmamente o jogo, como se tivesse apenas anun­ciado que estava com o coringa na mão.


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